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O desafio do controle da publicidade infantil na internet As novas formas para atrair a criançada, como os youtubers mirins, dificultam a identificação de caráter comercial na web 4 EM QUESTÃO No ordenamento jurídico brasileiro há diferentes dispositivos para restringir e regular a publicidade dirigida ao público infantil e aos adolescentes. “A publicidade voltada para o público infantojuvenil em TV, rádio, jornais e revistas não está proibida. Corretamente as nossas leis regulam a propaganda para esse público nos meios tradicionais. O que ocorre é que a internet, por conta das redes sociais, trouxe algo novo que precisamos entender e debater”, afirma Ricardo de Moraes Cabezón, presidente da Comissão de Direitos Infantojuvenis da Secional paulista da Ordem. O alerta é contra um fenômeno que ganhou atenção nos últimos dois anos e continua em debate: os youtubers mirins. Os canais de YouTube, cujos protagonistas são crianças e adolescentes, multiplicaram-se no país e tornaram se veículo para empresas e agências de comunicação que desejam atingir esse público. Nesse segmento, o canal de uma menina de nove anos de idade tem mais de 4 milhões de seguidores, ante 1,7 milhões, em abril de 2016. No mesmo período, o canal da estrela de TV Maísa Silva saltou de 1,3 milhão para 3,4 milhões de seguidores. Para ter uma base de comparação, o You- Tube oficial do atacante Neymar Jr., atleta globalmente conhecido pela seleção brasileira de futebol, e pelos clubes Barcelona e Paris Saint-Germain, está perto de alcançar meio milhão de inscritos. “Algumas empresas usam essas crianças e adolescentes para influenciar um grande público por meio dos vídeos no YouTube. O que as companhias buscam, claramente, é fazer na internet aquilo que não podem fazer na TV. As falas diretas como ‘peça para a sua mãe’, ‘compre’ e ‘você precisa disso’ são ditas constantemente pelos youtubers mirins”, conta Cláudia Almeida, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). As modalidades de vídeo que mais preocupam e geram conflitos com as normas sobre publicidade infantil são o unboxing (tirar da caixa) e o review (avalição). No primeiro caso, o vídeo traz o momento em que alguém abre um presente, enquanto no segundo caso a personagem fala das características do produto após um período de uso. Os diplomas legais que determinam expressamente os limites para publicidade infantil são o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor e o recente Marco Civil da Primeira Infância (Lei Federal nº 13.257/2016). No último caso, o artigo 5º é taxativo, colocando como área prioritária para as políticas públicas para a primeira infância a proteção contra a pressão consumista. Em 2014, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) aprovou uma resolução sobre o abuso em comunicação mercadológica voltada para crianças e adolescentes. Porém, a sua aplicação não é pacífica, uma vez que compete privativamente à União legislar sobre propaganda comercial (Constituição Federal, art. 22, XXIX). “Eu vejo a atuação de um youtuber mirim como uma técnica de publicidade testemunhal, o que, em princípio, não é proibido pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”, opina Roberta Densa, membro da Comissão de Direi- tos Infantojuvenis e doutora em Direitos Difusos e Coletivos (PUC) com a tese “Proteção jurídica da criança consumidora”. Ela explica que a técnica não é proibida e que a liberdade de expressão da criança é um direito assegurado, porém, o uso do testemunho precisa ser analisado. “A criança, de fato, está ali manifestando uma vontade sua ou está sendo manipulada pelos fornecedores? Tenho minhas dúvidas e essa interferência configura ilegalidade da propaganda”, defende. Uma das possibilidades dessa “contaminação” da vontade da criança ocorre quando as empresas enviam para os youtubers diversos presentes, muitas vezes com cartinhas redigidas com textos apelativos e que são lidas durante os vídeos. “As empresas usam esse canal nas suas estratégias de comunicação mercadológica. Representamos, no Ministério Público do Rio de Janeiro, contra 15 empresas que enviaram material para alguns youtubers e, apesar das crianças lerem as cartas e agradecerem os fornecedores, boa parte negou que enviou o material”, conta Ekaterine Valente Karageorgiadis, advogada e coordenadora do programa Criança e Consumo da Alana, uma Organização da Sociedade Civil (OSC). Além da propaganda A multiplicação dos canais de youtubers mirins, com um boom entre 2015 e 2017, também desperta a atenção para a proteção de outros direitos das crianças e dos adolescentes, desta vez focando nos próprios “produtores” de conteúdo. A questão da superexposição da imagem dos menores também está em pauta em boa parte dos casos. Os pais da garota que ultrapassou os quatro milhões de seguidores transformaram o canal em negócio e abriram filiais: as duas irmãs mais novas já têm seus próprios canais. O esforço da mãe, que aparece na maioria dos vídeos, em tentar fazer algo acontecer durante as gravações é constrangedor, como quando fez o desafio do limão com a filha de dois anos e meio. Nesse esquete, a menina está gripada e se recusa a lamber as rodelas de limão, enquanto a mãe insiste. Há canais que no título prometem novos vídeos diariamente, inclusive com hora marcada, o que impõe uma rotina de gravação, fato que, em tese, pode implicar em trabalho infantil. “Além da autorização dos pais, para uma criança ou adolescente participar de um comercial de TV, mesmo aqueles que não são direcionados para crianças, é necessária a autorização da Vara da Infância e da Juventude competente. O mesmo vale para um ator mirim participar de uma novela. Os pais dos youtubers mirins não observam nada disso e as empresas simplesmente ignoram, fazendo até contratos por meio de agências sem consultar o Judiciário”, conta Ekaterine Valente. Outra discussão que se coloca está vinculada à proteção de dados pessoais da criança e da família. No campo de comentários do YouTube, as crianças que assistem aos vídeos costumam revelar informações e dados pessoais que podem colocar em risco a segurança e o patrimônio. Muitas vezes elas escrevem o endereço completo de casa na esperança de receberem os presentes que as empresas encaminharam para os youtubers. “YouTube não é brinquedo! Os pais entregam celular, tablet ou computador e deixam a criança assistir à tudo de forma livre porque o YouTube tem filtros contra pornografia. Não é tão simples assim”, alerta Cláudia Almeida. José Luís da Conceição Jornal do Advogado – Ano XLIII – nº 430 – Agosto de 2017 SÃO PAULO NO CANAL: Roberta Densa acredita que a atuação dos youtubers mirins é uma técnica de publicidade testemunhal


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