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Advogados propõem regramento para delação premiada Especialistas reprovam a forma como são feitos os acordos e pedem regulação do procedimento para definir detalhes 10 CRIMINAL O uso da delação premiada e do acordo de leniência no sistema de Justiça brasileiro foi abordado durante o painel 10 da Conferência. A falta de regramento para o estabelecimento desses acordos, e o consequente desrespeito às garantias fundamentais e à Constituição Federal, além do uso cada vez mais indiscriminado dessas ferramentas em nome do combate à corrupção, formam o cenário destacado por criminalistas que compuseram o painel. O tema ganhou atenção, inclusive da sociedade, com o andamento das investigações da Operação Lava Jato, que conquistou apoio popular por desnudar atos espúrios dos poderes, lembraram. “Não somos contra a operação, ou contra o combate à corrupção, mas estamos debatendo a metodologia empregada, a forma de investigar e que desrespeita garantias fundamentais”, disse Cezar Bittencourt, doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha. “É preciso reconhecer que a operação não está acima da nossa Constituição e não pode criar suas próprias leis. Deve estar aberta ao aperfeiçoamento para contribuições positivas”, avaliou. O conselheiro federal da Ordem, Maurício de Oliveira Campos Junior, reprovou a forma como são feitas as negociações dos acordos de delação premiada. “O que se vê são delações negociadas ao longo de um ano ou dois, sem lógica alguma no estabelecimento das audiências”, comentou. O advogado fez críticas à estrutura de Justiça. “Desde 88, o Ministério Público se fortaleceu de maneira incomum e desequilibrada. Há algum tempo, a OAB era sempre a porta-voz da sociedade, respeitada como defensora das liberdades e da democracia, mas aos poucos ela se vê criminalizada”, continuou. “Acrescento que o STF, que deveria ser guardião da ordem constitucional, talvez esteja exageradamente exposto por uma publicidade que ultrapassa os limites do recomendável”. O advogado mineiro Marcelo Leonardo fez duas proposições. Em linha com as críticas sobre a falta de regramentos, na primeira, ele sugere que haja regulação do procedimento dos acordos de colaboração premiada, com vistas a definir mais detalhes, como os prazos para a realização de reuniões e a obrigatoriedade da entrega de recibos ao colaborador após a cessão de documentos e provas. “Isso tem sido feito sem qualquer disciplina, à revelia de qualquer norma e depende, exclusivamente, da vontade do representante do Ministério Público que está à frente da negociação”, comentou Leonardo. Ele reforçou a necessidade de alinhamento no que diz respeito à definição de penas. O criminalista José Roberto Batochio, ex-dirigente de Ordem, deu passos além do contexto atual. “A delação entrou como um fato isolado, uma espécie de panaceia importada do sistema anglo-saxônico para resolver um problema de criminalidade econômica no nosso país, mas essa importação se hospeda em um contexto mais amplo”, disse. O criminalista lembrou que, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, à medida que a opinião pública começou a exigir respostas dos poderes constituídos para solucionar o fenômeno da criminalidade, foram sendo feitas concessões que flexibilizaram direitos e garantias fundamentais dos acusados a pretexto de combater a criminalidade. “E a metodologia conseguida no corpo permanente da Constituição pela Assembleia Nacional Constituinte começou a sofrer desfiguração na sua organização metodológica pela introdução de institutos jurídicos incompatíveis com essa metodologia abraçada pela Carta Magna”, disse. “E a delação premiada entra nesse contexto”. O advogado lembrou que, ao deitar os olhos sobre o histórico legislativo da delação, verifica-se que a ferramenta começa a despontar na nova redação do dispositivo que definiu o crime de extorsão mediante sequestro do Código Penal de 1940, quando se facultou a um dos partícipes do delito receber benefícios se proporcionasse, com suas informações, a libertação da vítima. Em seguida, a delação começa a aparecer de maneira mais explícita na lei dos crimes hediondos de 1990, e, finalmente, há a Lei 9.034 de 1995, inteiramente revogada pela Lei 12.850 de 2013, que disciplina, entre nós, o instrumento atualmente. No que diz respeito aos acordos de leniência, fechados por empresas, a necessidade de melhoria de regramentos é similar, informou o ministro do Tribunal de Contas da União, Benjamin Zymler. Ele afirmou que a promulgação rápida da lei impediu o devido debate e estabelecimento de regras e, por isso, suscita muitas dúvidas. “Não há suficiente segurança jurídica para fixar a eficácia desses acordos.” O ministro disse que o próprio Ministério Público tem assinado acordos. “A grande verdade é que falta no Brasil uma lei que leve em consideração as múltiplas competências dos diversos atores que exercem o controle administrativo”, opinou. Ele relatou que um estudo apontou que a ação de cartéis levou a uma média de 17% de sobrepreço em 200 contratos verificados. “O acordo de leniência, poderíamos dizer, seria o coirmão da delação premiada, todavia praticado no âmbito do processo administrativo”, relembrou Marcelo Bertoluci, conselheiro da OAB. O acordo de leniência traz consigo vocação administrativa disciplinada pela Lei 12.529 de 2011 e destina-se, sobretudo, ao combate de cartéis. Sérgio Castro CRIMINALIDADE: José Roberto Batochio disse que a delação é uma espécie de panaceia importada do sistema anglosaxônico


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