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Vote sobre o tema em discussão A CULTURA PRECISA DE MAIS FOMENTO POR A diminuição da violência passa pelo enraizamento cultural, por relações sociais pautadas no respeito mútuo 20 DEBATE Pedro M. Mastrobuono Sim José Luís da Conceição Advogado, presidente do Instituto Volpi e da Associação dos Amigos do Museu de Arte Contemporânea brevidade imposta pela busca de efetividade no combate à violência induz soluções paliativas, mas não há atalhos. A saída passa por duas palavras-chave: “identidade” e “pertencimento”. Há de se ter em mente que “cultura” não é sinônimo de “educação” e o denominado “desenraizamento cultural” provoca sensação de abandono à própria sorte, individualismo exacerbado e medo, gerando revolta, agressões e violência, tão presentes na sociedade brasileira. Mundo afora, empresários zeram margens de lucro, mercadorias a preço de custo, para compatriotas vítimas de vicissitudes, como terremotos ou furacões. Já por aqui, a crise dos caminhoneiros escancarou o individualismo do brasileiro, focado em sua própria conveniência, levando-nos a assistir, perplexos, demonstrações lamentáveis de oportunismo. Uma brecha, gasolina a R$ 10,00, não pesando na consciência as ambulâncias e o acesso a hospitais, creches e escolas. Não é por acaso que nossos cemitérios nunca foram tão vandalizados como hoje em dia. Monumentos tão constantemente vilipendiados. Nossa sociedade nunca esteve tão dividida. Ódio e intolerância. O brasileiro nunca se sentiu tão só – abandonado à sua própria sorte –, intimidado nas redes sociais, apavorado nos faróis e esquinas, vítima de tantos golpes e fraudes, buscando fugir desse cenário através da emigração definitiva. E por quê? Eis o ponto nevrálgico. Nosso ordenamento jurídico entende a “cultura” como elemento fundamental da formação da identidade de um povo. Desde os grupamentos tribais, um indivíduo se reconhece como integrante, de determinado grupo, por suas pinturas corporais, por seu jeito de rezar, por hábitos alimentares, por suas danças e canções. Educação formal, por sua vez, pode ser buscada e alcançada em universidades em países distantes, mas só isso não confere ao indivíduo adaptação e enraizamento em outras sociedades. A Cordilheira dos Andes, por exemplo, exibe, em pleno século XXI, povos que vestem trajes típicos e falam línguas pré-colombianas, ao mesmo tempo que honram seus mortos, preservam seus monumentos e seus cemitérios. Orgulho e pertencimento, com baixos índices de violência, mesmo não tendo altos níveis de educação formal, tampouco capacidade de consumo elevada. Demonstrando, pois, o efeito da cultura enraizada sobre violência e paz social. Há exemplos de mudanças bem-sucedidas, metrópoles onde se pode caminhar com tranquilidade, a qualquer hora do dia, como Nova Iorque e Chicago, que já foram sinônimos de alta criminalidade. Bem mais próximos, geográfica e historicamente, nossos vizinhos sul-americanos, por investirem sistematicamente em cultura e educação, vivem em realidades bem diferentes das enfrentadas por paulistas e cariocas. Mas não é só. Note-se que a sensação de pertencimento independe, até mesmo, de um território, como a diáspora bem demonstrou. A força de aproximadamente 5.800 anos de identidade cultural, passada de geração em geração, foi capaz de reunir um povo quase aniquilado há setenta anos, por violência e atrocidades inenarráveis. Hoje, coesos, são referência em tecnologia, medicina e sinônimo de uma agricultura de altíssima produtividade em pleno deserto escaldante. Rivalidades, invejas, ciúmes, ódio e violência podem ser, efetivamente, diluídas por valores comuns, por meio de relações mais tolerantes, de respeito por diferenças e divergências. Como bem salienta o psicanalista e pensador David Léo Levisky: “Ter hábitos, valores e modos similares de ser, sentir e pensar contribui na construção da ‘arquitetura anímica’, conceito descrito por Freud na busca de compreensão dos elementos que aproximam pessoas de um determinado grupo no espaço da microcultura”. O investimento em cultura, pois, gera vivências emocionais concordantes e complementares. A diminuição da violência passa, obrigatoriamente, pelo enraizamento cultural, por relações sociais pautadas na cooperação e respeito mútuos, por sentimento de pertencimento que se ancora em esperança coletiva.


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