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real baseado no medo da mudança, e esse tipo de argumento vem do medo da mudança. Enquanto for proibido dinheiro empresarial nas campanhas e houver punição para isso, as empresas hesitarão. Algumas vão desafiar a lei, mas se houver autoridades vigilantes que imponham o seu cumprimento, elas aprenderão rápido que não vale a pena o risco. A campanha eleitoral foi encurtada, de 90 para 45 dias, para tentar barateá-la. É justificável um período menor de debate para diminuir os custos envolvidos? Nos EUA, a única lição que temos é: não façam o que nós estamos fazendo. As nossas campanhas começam um dia após a eleição e vão até a eleição seguinte. O político eleito, um dia depois do resultado, começa a arrecadar fundos para a reeleição. Nós temos um processo contínuo e sem fim de arrecadação de fundos como parte do nosso processo eleitoral, o que é o pior modelo a seguir. Ter um período curto de campanha me parece uma ideia excelente, o quão curto é algo que o Brasil terá de experimentar e verificar a eficácia. A medida será dada pelo quanto os candidatos conseguirão levar sua mensagem ao eleitor. Críticos afirmam que não é democrático afastar as empresas da política, que isso diminui a participação da sociedade. O senhor concorda? Veja bem, não estamos falando das empresas como entidades, com seu corpo de dirigentes sentados ao redor da mesa dizendo: “Vamos financiar a campanha deste candidato porque ele age de acordo com os valores da nossa corporação”. Quando falamos de financiamento empresarial de campanha, estamos falando do chefe executivo da empresa (CEO), individualmente. Na verdade, quando estamos falando da maioria das doações de empresas, os acionistas sequer sabem ou opinaram. É sofrível falar em ataque à democracia quando se tenta impedir isso. Esse processo está simplesmente permitindo que um indivíduo gaste o dinheiro dos outros com interesses partidários particulares: isso não é democrático! Como é possível melhorar o modelo de financiamento de campanha com doações do cidadão somadas ao dinheiro do Fundo Partidário? Há diversas maneiras de financiar as eleições com o mix de dinheiro público e privado, oriundo dos eleitores. Um dos modelos que estou defendendo nos EUA é chamado small donor mathcing funds [fundo correspondente às pequenas doações], em que o financiamento com dinheiro público premia as pequenas doações. Isso já funciona na cidade de Nova Iorque, onde cada doação de um dólar de um cidadão é acrescida de outros seis dólares do fundo público, até o limite de cem dólares, o que resulta em setecentos dólares proporcionais a cada pequeno doador. Esse mix cria um sistema que dá poder a todo cidadão, com um importante peso para todos no financiamento eleitoral. Um sistema com empresas como grandes doadores privados e acréscimo de dinheiro público não atinge esse tipo de objetivo. Além da influência das corporações no Congresso, na produção legislativa, a relação com outros poderes, como o Executivo, também preocupa? É necessário observar toda contribuição das corporações para qualquer pessoa em cargo público, especialmente quem pode ter influência em contratos com o Poder Público. As empresas vivem para propósitos próprios, como obter contratos com o governo. Então, o monitoramento deve ocorrer no Legislativo, no Executivo, onde houver cargo público. Nestes espaços, as doações de empresas não devem ser permitidas. Sempre que uma empresa beneficia alguém em cargo público, não importa o Poder, ela não o faz para favorecer interesses públicos, mas os próprios. No Brasil, o crowdfunding (vaquinha pela internet) não foi autorizado pela Justiça Eleitoral para arrecadar recursos para campanha. Como essa ferramenta está funcionando nos EUA? Sob a ótica de arrecadação de fundos de campanha, a internet é um grande equalizador porque é mais barata que os meios tradicionais de busca de recursos para os candidatos. Veja o exemplo de Bernie Sanders, que concorreu para ser o candidato do partido Democrata nas eleições presidenciais, nos EUA. Ele começou com pouco dinheiro nas mãos, mas conseguiu provocar repulsa, entre eleitores do partido Democrata, contra as doações vindas de milionários. A partir disso, com o sistema de crowdfunding ele arrecadou milhares de pequenas doações – com média de 28 dólares por doador – chegando a captar quase o mesmo valor da adversária, Hillary Clinton. O interessante é que o dinheiro arrecadado por ele significa mais que o de Hillary porque, pela via tradicional, com uma grande equipe que fez ligações telefônicas, enviou cartas pedindo doações, organizou eventos e festas para os correligionários, ela gastou três ou quatro vezes mais. A internet pode ser um meio de equilibrar a disputa. Holman15 Jornal do Advogado – Ano XLII – nº 419 – Agosto de 2016 SÃO PAULO Seis anos atrás, a Suprema Corte Americana abriu as campanhas eleitorais para capital ilimitado de corporações, sindicatos e associações. Quais as consequências desta mudança na política nos EUA? Tudo mudou, foi uma das decisões mais devastadoras da Suprema Corte desde o caso Dred Scott (1857), que levou à nossa Guerra Civil (1861-1865). Não apenas devastou nosso processo eleitoral, mas também minou a integridade do processo legislativo. Os EUA tinham um sistema com limites razoáveis de doações para campanhas, com transparência para saber de onde o dinheiro vinha. Desde que foram abertos os portões para as empresas, o processo eleitoral foi sobrecarregado de dinheiro, que vai chegar à cifra de dez bilhões de dólares nas eleições de 2016, a maior parte são recursos das corporações. O pior é que isso está ocorrendo secretamente: as corporações não querem revelar os laços com os candidatos e estão utilizando organizações, como a Câmara de Comércio, por exemplo, para financiar as campanhas de maneira indireta, obscura. Estamos assistindo à destruição de um sistema de financiamento de campanha que levamos quase um século para construir. O que quero enfatizar é que isto minou a qualidade do nosso processo legislativo, porque os lobistas que atuam em favor das empresas se tornaram kingmakers [formadores de reis], uma vez que agora eles têm um meio de injetar milhões de dólares na candidatura dos legisladores obedientes às corporações, contra aqueles que resistem aos interesses empresariais em favor do interesse público. Esse estado de coisas está levando o nosso Congresso cada vez mais para as mãos da plutocracia. Como é possível controlar a influência do dinheiro no processo eleitoral quando o próprio candidato tem fortuna para investir na campanha? Cientistas políticos já verificaram que candidatos com esse perfil comumente não vencem as eleições. Eles podem até gastar mais que os adversários, mas isso não significa que estão atingindo os eleitores, desenvolvendo uma base consistente. Quando uma pessoa doa vinte dólares para um candidato, na verdade ela vai fazer mais, como desempenhar alguma atividade voluntária de campanha, colocar placas e adesivos na porta de casa e no carro, ou seja, esse eleitor vai ser um multiplicador. O candidato que banca a campanha com recursos próprios pode gastar mais com propaganda, mas o apoio que terá será menor, porque ninguém está se envolvendo na campanha. Falando de Donald Trump, ele entretêm quando visto na TV, mas não está desenvolvendo base de apoio, com exceção daqueles que são fãs de reality show e isso não será suficiente para ‘comprar’ a eleição. Ao contrário dos EUA, o Brasil não regulamentou o lobby e aqui os lobistas são figuras-chave em escândalos de corrupção. Quais pontos da legislação americana para o tema devem ser observados? Algo que os EUA continuam fazendo bem é manter um registro de lobistas, com a divulgação dos dados sobre quem os paga (corporações, entidades, sindicatos), qual setor de atividade ou interesse atendem e quanto dinheiro estão gastando, tudo revelado ao público, inclusive pela internet. A ideia é saber quais legisladores estão sendo influenciados e por quem, quanto dinheiro está sendo gasto neste processo e qual a origem. Eu encorajo qualquer país a controlar a atuação dos lobistas, não se pode virar as costas para isto: fingir que lobby não existe é receita para corrupção. “Sempre que uma empresa beneficia alguém em cargo público, não importa o Poder, ela não o faz para favorecer interesses públicos, mas os próprios”


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