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dos direitos já é um fenômeno praticamente universal. E mecanismos de controle e de punição já existem. Ocorre que estes têm de se tornar mais eficazes e isso depende muito da política. Cabe aos Estados soberanos implementarem essas medidas e cooperarem com os tribunais internacionais – o que nem sempre acontece. Existe resistência. Recentemente três países ameaçaram se retirar do TPI. Já no plano interno, o Ministério Público, o Poder Judiciário, e mesmo as polícias, estão melhor equipados para lutar contra a impunidade. Não mais só em relação a crimes como o de homicídio, de roubo ou furto. Nós temos a Lei Maria da Penha, por exemplo, que não veio só para punir um ato de agressão física, mas para reafirmar a inviolabilidade da dignidade da mulher. Quais são os impactos, para o TPI, do anúncio de saída de três países africanos Burundi, África do Sul e Gâmbia? A União Africana também aprovou resolução sugerindo que nações abandonem o tribunal... Essa retirada coletiva já foi objeto de muitas discussões e o TPI só pode lamentar caso ocorra. Mas não acreditamos que vá acontecer. A maior parte dos casos foi remetida ao tribunal pelos próprios estados africanos. Países em situação de conflito armado – sejam africanos ou não – dependem muito do tribunal porque não há condição de exercerem jurisdição. O problema é o discurso político, que segue uma linha neocolonialista, como se a corte estivesse lá para perseguir os africanos. O TPI tem mostrado às populações, por meio de um programa de informações, que visa privilegiar milhares de vítimas que nunca tiveram voz. Também não vejo esse movimento enfraquecer a imagem ou a atuação da corte. Eu não acredito que um grande número de estados vá se deixar influenciar pela decisão da União Africana. O tribunal está cada vez mais forte, coeso e eficiente. Pode atuar em dois, três, quatro casos ao mesmo tempo. No início, mal atuava em um. A sede mudou de endereço e há quatro salas de audiência, antes havia uma. O número de julgadores ainda é 18, mas já existe jurisprudência, tanto em matéria penal como em processual penal. Todo o trabalho inicial foi muito complexo, mas ao mesmo tempo fascinante. O problema é quando os próprios governantes violam a lei ... Exatamente. Mas, por isso, reforço a necessidade de levar informação. Acho uma das principais funções do TPI. Como é feito? O setor responsável pelo programa Outreach coordena as ações. Uma delas, por exemplo, é a transmissão das sessões de julgamento, ao vivo, para as comunidades afetadas. Há também os escritórios de apoio às vítimas em vários países, principalmente os da África. São estruturas que explicam às pessoas todo o funcionamento: desde a própria função do tribunal – que não existe apenas para punir responsáveis, mas também para levar reparação às vítimas –, como a dos programas em si, de proteção a vítimas e testemunhas; e o de compensação às vítimas. Só uma população conhecedora da função da corte poderá atuar politicamente no sentido de levar governantes a enxergarem que não podem simplesmente decidir pela retirada do tribunal. Após a experiência na corte internacional, há visões que possam ser incorporadas ao direito brasileiro? A resposta é ampla. Mas um ponto, entre todos os que me chamaram a atenção, é o da participação das vítimas nos processos. Elas não são simplesmente testemunhas que depõem, são participantes ativas. Por intermédio do representante legal, é claro, podem arrolar e fazer perguntas a testemunhas – tanto da acusação quanto da defesa –, escrevendo alegações iniciais e finais. Em suma, as vítimas têm voz. É o direito reconhecido de participarem mais ativamente, e não apenas formalmente dos diversos atos processuais, porque elas têm o direito à verdade. Esse direito é a base dessa participação. A consagração do princípio do direito à verdade é uma das maiores contribuições que o Estatuto de Roma e o TPI poderiam trazer. O Brasil vive grave crise prisional em 2017. Considerada a sua experiência no Conselho Penitenciário paulista, como o poder público deveria atuar na questão? Eu vejo com muita tristeza o mesmo quadro de 40 anos atrás. Já via isso tudo quando, inclusive, fui coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo. Nunca se levou a sério que a situação só poderia piorar. Já não havia vagas no sistema prisional, os presos eram amontoados em delegacias de polícia e no prédio do DEIC. A Casa de Detenção de SP e a Penitenciária do Estado ainda estavam em pleno funcionamento, sendo que a primeira tinha seis mil presos em espaço para 2,5 mil pessoas. A comissão da Ordem apresentou relatórios para seguidos secretários de Justiça alertando para Steiner15 Jornal do Advogado – Ano XLII – nº 425 – Março de 2017 SÃO PAULO a situação do sistema prisional paulista. Acho que, primeiro, é necessária medida administrativa. Com a lei de crimes hediondos e outras que vieram depois – e estas só fizeram aumentar as penas –, não dá para escapar da necessidade de construir presídios. É investimento em segurança da população. A segunda medida é trabalhar mudança de mentalidade. Apesar das divergências, eu sempre fui, continuo e vou seguir defendendo opinião de que prisão é medida de última necessidade. Não se manda para a prisão quem não precisa estar lá. A prisão destina-se a quem não pode viver em sociedade. O que, na sua visão, explica a estagnação? Houve omissão política? É difícil atribuir uma causa. Às vezes faço o exercício de tentar me colocar no lugar do político. O problema é que existe uma determinada verba para ser dividida entre várias necessidades imediatas do Estado. O sistema prisional pode não parecer uma delas, frente a outras, mas traz consequências muito sérias em futuro de médio e longo prazos. Destaco a questão da falta de atendimento efetivamente reeducativo aos menores infratores. Ninguém em sã consciência pode imaginar que uma criança criada na rua, sob a única proteção de maiores de rua, que é levada muitas vezes às drogas e ao crime com apenas sete, oito, nove anos de idade, vá se tornar um cidadão ético no futuro. Seríamos uma sociedade utópica. Se os governantes não passarem a se ocupar o mais depressa possível da população de menores que hoje está desassistida, daqui a dez ou quinze anos eles farão parte da população prisional. Como a sra. vê a participação feminina no mundo jurídico brasileiro? A mulher triplicou os espaços ocupados nas últimas duas ou três décadas. Os avanços foram enormes a partir de trabalhos feitos já há muitos anos como, por exemplo, o da Associação Juízes para a Democracia, quando conseguiu instituir a obrigatoriedade do exame anônimo para os cargos de juiz. Isso foi uma conquista importante. Nesse período que eu estive fora do país, saímos de nenhuma mulher no Supremo STF para duas. O Superior Tribunal de Justiça também tem uma composição feminina muito maior. A mulher ganhou muito espaço na advocacia também. Esses espaços foram conquistados à custa de um esforço excepcional. Quais são os planos para o futuro? Estive treze anos fora do país e voltei há apenas seis meses. Tenho um projeto, ainda em discussão, de criar um curso de especialização em Direito Internacional, com foco em Direito Internacional dos direitos humanos – que envolve Direito Penal Internacional e direito humanitário. Por ora, a discussão está mais centralizada na Faculdade de Direito da FGV. O plano é dar aulas, escrever e palestrar. Vejo isso como uma maneira de devolver o privilégio que eu tive de representar o país no TPI. Até mesmo porque há pouco conhecimento sobre o tribunal no Brasil. “Se os governantes não passarem a se ocupar o mais depressa possível da população de menores que hoje está desassistida, daqui a dez ou quinze anos eles farão parte da população prisional.” Confira o vídeo da entrevista


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