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Jornal do Advogado – Ano XLIII – nº 429 – Julho de 2017 SÃO PAULO DEVERIA SER SUBMETIDO A JÚRI POPULAR? Helena Lobo da Costa Arquivo pessoal Advogada e professora de Direito Penal da USP O fato de o júri não precisar fundamentar suas decisões reforça o dado de que o jurado não decide técnico-juridicamente 13 Não egundo nossa Constituição, o júri popular tem competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sendo soberana sua decisão. A previsão constitucional veio inscrita no capítulo dos direitos e garantias individuais e é tida como cláusula pétrea, razão pela qual se tem entendido que não se pode esvaziá-la, por meio da exclusão de crimes, mas sua ampliação é possível, inclusive sem que se faça qualquer alteração constitucional. Todavia, apesar de não haver impedimento constitucional para a inclusão do crime de corrupção no âmbito da competência do tribunal do júri, é preciso refletir sobre a conveniência político-criminal de tal opção, bem como sobre sua efetividade. A decisão de deixar nas mãos de juízes leigos o julgamento de crimes dolosos contra a vida decorre de uma opção política, fundada em alguns fatores. Dentre eles, a concepção de que tais crimes formam um núcleo central de injusto, que atinge o bem jurídico individual mais relevante do ser humano – sem a vida, não se pode dispor dos demais bens. Assim, o exame de tais delitos não deveria se limitar a concepções puramente jurídicas, devendo-se permitir análise mais livre da conduta (embora, evidentemente, com limitações ligadas à prova). Ademais, haveria uma decisão social menos mediada sobre a conveniência de se condenar ou absolver dada pessoa em razão de um suposto fato tão ligado à convivência e paz sociais. Neste ponto, deve-se lembrar que os jurados decidem de acordo com a própria consciência e com os ditames da justiça, sem necessária vinculação à lei, à doutrina ou à jurisprudência sobre dada matéria. O fato de o júri não precisar fundamentar suas decisões reforça esse dado: o jurado não decide técnicojuridicamente. Isto não quer dizer que sua decisão seja melhor ou pior do que aquela tomada pelo juiz togado, mas apenas que o caminho para se chegar à decisão é distinto. Cumpre então indagar se essa forma de proceder é conveniente para o julgamento de crimes de corrupção. Tais crimes exigem a compreensão de questões tecnicamente mais complexas – tais como o conceito de funcionário público para fins penais, o de ato de ofício etc. – não sendo tão simples sua intepretação por parte de leigos. Seria um verdadeiro contrassenso se as discussões no plenário do júri estivessem centradas mais no exame de tais conceitos do que, propriamente, nos fatos e provas colhidas. Sob esse ponto de vista, não parece ser político-criminalmente recomendável que os jurados passem a julgar os crimes de corrupção. Também sob o ponto de vista da efetividade não se trata de medida recomendável. O procedimento do júri engloba três fases distintas, razão pela qual, logicamente, é mais longo e moroso do que os demais procedimentos no processo penal. Após a investigação sobre os fatos, em regra feita por meio de inquérito policial, há o oferecimento de denúncia, que inaugura a primeira fase, denominada de juízo de acusação. Após seguir todos os atos processuais previstos, que incluem oitivas de testemunhas, interrogatório, peças escritas, dentre outras, será proferida decisão de pronúncia, de impronúncia, de desclassificação ou de absolvição sumária. Na hipótese de pronúncia, inaugura se a segunda fase, o juízo da causa (ou juízo de preparação do plenário), na qual serão feitos requerimentos de diligências e a preparação do processo para o julgamento perante o júri. Estas duas fases ocorrem perante o juiz singular. Finalmente, haverá o julgamento em plenário, para o qual devem ser respeitadas determinadas formalidades. Há nova produção de prova e ocorrem os debates. É fácil perceber que este procedimento não traria agilidade ao julgamento de crimes de corrupção e, provavelmente, resultaria em menor efetividade da aplicação da lei. Não há, pois, motivos que recomendem que o júri passe a julgar os crimes de corrupção. Será mais salutar, certamente, manter a competência do juiz togado para tais crimes e deixar que o povo participe da luta contra a corrupção nos demais âmbitos, sobretudo por meio do exercício do direito a voto de modo mais consciente e atento.


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