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DEBATE Não há como imaginar que juízes possam ser de alguma forma isolados da comunidade em que vivem 12 Aproveite para votar sobre o tema LIMITES PARA MANIFESTAÇÃO DE MAGISTRADOS EM REDES Flávio Luiz Yarshell Advogado, professor da Faculdade de Direito da USP Sim Arquivo pessoal regulamentação editada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre magistrados nas redes sociais bem ilustra como uma bem-intencionada e até louvável iniciativa pode, em determinadas circunstâncias, produzir efeitos diversos daqueles almejados. Quando estão em jogo postulados relevantes – mas ao mesmo tempo complexos – tais como liberdade de expressão, exercício de poder jurisdicional, mecanismos de difusão de dados via internet e limites éticos; em meio a uma crise política e institucional talvez sem precedentes; num ambiente de incerteza econômica e de insatisfação social (de diferentes matizes e inspirações), suscetível a polarizações que não raro descambam para a intolerância; nesse contexto, enfim, a tentativa de se regulamentar o que, de uma forma ou de outra, já se encontra disciplinado pelo ordenamento pode, paradoxalmente, não apenas não cumprir a finalidade de pacificação social buscada pelo Direito, como ainda fomentar a discórdia e, no limite, cercear – ainda que involuntariamente – a livre manifestação do pensamento. Não há dúvida de que os magistrados – como quaisquer cidadãos, mas também pelo poder que exercem e pela missão que lhes é confiada – devem não apenas agir de acordo com a Constituição e a lei, mas de forma a preservar a confiança na integridade, independência e imparcialidade do Poder Judiciário. Contudo, pretender-se separar o magistrado de atividades que vão além do exercício da profissão – se é que isso é possível – não parece ser algo sábio. Não há como imaginar que juízes possam ser de alguma forma isolados da comunidade em que vivem. Isso significa reconhecer que magistrados – oriundos de diferentes segmentos sociais – trazem consigo uma indissociável carga axiológica. Então, se como aprendemos em fonte segura, o Direito é norma, fato e valor, é impossível cindir o que, também pela natureza humana, é monolítico. A ideia de criar limites para a liberdade de expressão de juízes – para além do que já está expresso na Constituição, na lei orgânica e no código de ética – esbarra em ponto nevrálgico e delicado que é a percepção que cada magistrado tem sobre sua própria independência. Aliás, as dificuldades em se conseguir uma jurisprudência uniforme e estável estão aí para bem ilustrar o ponto. Isso não quer dizer que se possa simplesmente aceitar distorções em torno daquele conceito e que, no limite, podem levar à quebra de unidade e ao desprestígio do Judiciário. Ser independente não significa ter carta branca para desconsiderar competências e para impor suas próprias ideias, a pretexto de que elas são fruto da consciência individual de cada magistrado – o que seria, inclusive, antidemocrático. A experiência secular mostra que tolher a liberdade de expressão mediante limitação prévia – e a edição de um ato como aquele comentado, em termos realistas, se afigura como tal – é sempre a opção menos feliz. No conflito entre livre manifestação do pensamento, de um lado, e a tutela dos valores que podem ser prejudicados pelo mau uso daquela prerrogativa, de outro lado, é preferível prestigiar a primeira e, sendo o caso, sancionar os abusos (e, se possível, atuar para que cesse a conduta). Não é o ideal, mas parece ser a solução menos problemática; sem que se possa – não ao menos sem que se cometa exagero ou injustiça – dizer que se está diante de uma “mordaça”. No particularmente delicado campo das manifestações políticas, conquanto seja compreensível – e, como já dito, até louvável – a iniciativa de criar limites objetivos, o mais adequado parece ser exortar os magistrados a relembrarem a importância do papel que lhes cabe e do poder que lhes foi outorgado para tanto; e, como tal, a se pautarem pelo equilíbrio e pela ponderação. O limite estabelecido pelo art. 95, parágrafo único, III, da CF tem uma razão de ser e é para ela que os juízes, voluntariamente, devem voltar sua atenção e render seu respeito, conscientes da repercussão que a palavra de um magistrado pode ter na comunidade – que também faz seus próprios julgamentos. Aliás, isso vale não apenas para manifestações em rede sociais, mas até com maior razão para aquelas feitas em pleno exercício da função judicante – algumas delas em sessões de julgamento. Confiemos na ponderação e no tirocínio dos magistrados, prestigiando sua liberdade de expressão, que se espera seja exercida com a proporcional dose de responsabilidade pela posição que ocupam.


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