Debate
A prevalência do negociado sobre o legislado,
12 Jornal da Advocacia I Maio-2019
Sólon Cunha
Advogado, é professor na Escola
de Direito da FGV-SP
SIM
Arquivo pessoal
A reforma trabalhista expressou a resposta legislativa à alteração na mudança
da realidade dos trabalhadores, configurando uma atualização decorrente
de cultura geracional. Compatibilizou-se o texto legal com as necessidades
advindas das inovações tecnológicas, bem como das novas formas de relações
de trabalho. Sobretudo, acomodou os interesses de trabalhadores e
empregadores, propiciando ambiente mais propício à geração de empregos,
com o objetivo de crescimento do mercado de trabalho e o reconhecimento
de novas práticas globais.
Questão fundamental da mudança é a sobreposição do negociado sobre o
legislado. A redação atribuída ao art. 611-A da CLT determina a prevalência
das normas coletivas (acordos e convenções) sobre os dispositivos legais,
quando dispuserem sobre temas como jornada de trabalho, intervalo intrajornada,
modalidade de registro da jornada, entre outros. O objetivo é priorizar
o interesse coletivo. As regras de proibição contidas no art. 611B da CLT
afastam da ampla negociação questões constitucionalmente asseguradas
aos trabalhadores, evitando interpretações distorcidas.
A constitucionalidade da mudança supracitada advém da extração de linha
de raciocínio facilmente identificada na Constituição. A compilação enaltece
o trabalhador na medida em que lhe atribui autonomia e legitimidade para
participar de processos decisórios importantes referentes à sua rotina laborativa,
ao mesmo tempo em que estimula a livre iniciativa, possibilitando o
alinhamento entre os interesses e a realidade fática, na dinâmica da empresa.
O art. 7º, inciso XXVI, garante aos trabalhadores o reconhecimento dos
acordos e convenções coletivas, e integra o rol de garantias fundamentais
dos trabalhadores urbanos e rurais. A Convenção nº 154 da OIT, incorporada
à legislação nacional, afirma aos sindicatos o direito de decidir e negociar
a pauta de reivindicações em liberdade, sem indesejável interferência do
governo. Ademais, os incisos VI, XIII e XIV, ao disporem sobre os direitos
pertinentes à irredutibilidade salarial, jornada de trabalho não superior a oito
horas e jornadas de seis horas em situações de turnos ininterruptos, prevêm
expressamente a ressalva da aplicação dos direitos em caso de negociação
coletiva. Em suma, a Constituição valida as normas coletivas, prestigiando
a autonomia da vontade coletiva.
Importante notar a descaracterização de qualquer hipossuficiência na relação
entre os sindicatos representativos das categorias profissionais e os
empregadores. Tratam-se de negociações equilibradas em termos de acesso
a informações e respaldo técnico. Inclusive, os sindicatos são considerados,
de acordo com art. 8º da CF, guardiões da defesa dos direitos e interesses
dos trabalhadores. Ninguém melhor que o próprio sindicato para definir as
estratégias adequadas a serem adotadas, não havendo, portanto, justificativa
plausível para obstar a validade e o cumprimento dos acordos e convenções,
os quais configuram meios legítimos.
O posicionamento do Supremo Tribunal Federal também é favorável. O
ministro Luiz Roberto Barroso, no julgamento do RE nº 590.415, entendeu
válida uma cláusula presente em acordo coletivo que dava quitação geral às
verbas rescisórias em razão de Plano de Dispensa Incentivada. O ministro
elencou como fundamentos o exercício da faculdade e da autonomia do
empregado em optar (ou não) pelo plano e a não verificação de assimetria
de poder no âmbito do direito coletivo do trabalho. O então ministro Teori
Zavascki também considerou válido o disposto no acordo coletivo referente
à supressão do pagamento de horas in itinere na situação do RE nº 895.759.
Deste modo, a sobreposição do negociado sobre o legislado mostra-se
compatível com a Constituição, priorizando a autonomia coletiva da vontade,
ensejando o alinhamento do mercado de trabalho à realidade local,
prestigiando o sindicato de trabalhadores. Acrescente-se que a regra da
convenção ou do acordo coletivo tem prazo máximo de vigência, admitindo
a ampla reflexão quando da renegociação da norma.
O Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos, recentemente, apresentou
ao Congresso Nacional a proposta de Acordo Coletivo de Trabalho com
Propósito Específico, denominado à época como ACE, onde o negociado
sobre o legislado era a base da estrutura proposta pelos líderes sindicais.
Assim, o princípio aprovado pela reforma trabalhista mostra-se decorrente do
anseio da sociedade, proposto por trabalhadores e empresários, ratificado
pelo Congresso Nacional e referendado pelo STF. O negociado sobre o
legislado, da forma como disposto na reforma trabalhista, é Constitucional.
“O princípio
aprovado
pela reforma
trabalhista
mostra-se
decorrente
do anseio da
sociedade,
proposto por
trabalhadores
e empresários,
ratificado pelo
Congresso
Nacional, e
referendado
pelo STF”