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Um debate
sobre educação
A Constituição Federal de 1988 valorizou direitos sociais e, com isso, as mudanças implementadas
impactaram positivamente o acesso à educação no país. Mas, se por um lado a escolarização
no Brasil caminhou para a universalização, por outro, taxas de desempenho em rankings
internacionais como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), da Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne mais de 30 países,
posicionam o país no fim das listas de ciências, matemática e leitura na educação básica.
A realidade do ensino brasileiro hoje soma infindável lista de desafios. O cenário é radiografia
de um modelo estrutural centrado na União que, entre outras características, atribui a estados
e municípios mais obrigações do que recursos e competências para legislar. Calcula-se que
10% dos mais de cinco mil municípios nacionais têm alguma capacidade de gestão e de levar
adiante seus deveres sem a necessidade de repasses. Diante do intrincado cenário, um tema
urgente para o momento é a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), visto que vence em 2020
e é a principal fonte de distribuição de recursos para as redes públicas. É política importante,
embora necessite de revisão, para a redução de desigualdades.
“A transformação do Fundeb em instrumento de financiamento permanente, com aprimoramentos
na redistribuição intraestatal de recursos e ampliação do valor mínimo de investimento
por aluno, garantiriam maior equidade na distribuição do fundo”, diz Nina Ranieri, professora
associada da Faculdade de Direito da USP e coordenadora da cátedra Unesco de Direito à
Educação da faculdade. A avaliação consta de estudo da especialista sobre desafios do federalismo
educacional no Brasil. Ela lembra que proposta relevante para a distribuição equânime de
recursos, ainda não implementada, é a do Custo Aluno Qualidade Inicial, que consta do Plano
Nacional de Educação de 2014. O cálculo indica o investimento necessário, por aluno, para
garantir condições iniciais de educação básica.
10 Jornal da Advocacia I Abril-2019
Além do financiamento, a reestruturação de regras de governança; a melhoria de gestão das
redes; a profissionalização da carreira e a formação docente compõem lista de sete temáticas
prioritárias para o governo federal hoje, aponta monitoramento publicado em abril pelo
Todos pela Educação. Visando melhorias em gestão, a pesquisadora avalia que o incentivo à
colaboração, cooperação e coordenação entre estruturas já existentes se apresentaria como
alternativa para que ocorressem avanços. Para ela, um exemplo do que pode ser feito é criar
instâncias que facilitem o diálogo entre órgãos decisórios em operação.
“O país tem uma potencialidade mal utilizada. Mais um exemplo é o dos dados que são
coletados por instituições do setor, mas que não têm tratamento. Dado sem tratamento não
é informação útil”, acrescenta Marina Feferbaum, coordenadora da área de metodologia de
ensino da FGV Direito SP. O Inep, por exemplo, cita, apresenta estatísticas confiáveis e capacidade
de avaliar aprendizagem e desempenho, mas falta que gestores e educadores usem os
dados em prol de melhorias no sistema.
O amplo debate sobre a temática educacional, num país com gargalos desde o nível básico
até o superior, nunca foi tão urgente. Pelo prisma do Direito, curso que figura entre os mais
procurados nas redes privada e pública há pelo menos uma década, há salas lotadas, um
número cada vez maior de cursos – o Brasil detém mais de 1,2 mil opções e supera a oferta
mundial somada –, além do desafio constante de preparar alunos que chegaram das mais
distintas realidades para um mercado em profunda transformação, impactado pela tecnologia
e pela necessidade de atender uma sociedade cada vez mais complexa.
A política de facilitação de acesso ao ensino superior, da forma como conduzida, resultou
em cenário de precarização da qualidade do ensino jurídico, onde o Exame de Ordem é
instrumento fundamental para defender o cidadão. “Vamos exigir fiscalização efetiva do Poder
Público relacionada à qualidade”, diz Caio Augusto Silva dos Santos, presidente da OAB SP.
Fora trabalhar para modernizar a própria grade curricular, questão central para o Direito agora,
esse universo de profissionais tem papel importante de contribuição na busca por soluções
relacionadas à temática nacional. É aproximar-se mais para dialogar com outros campos, a
exemplo de educadores, economistas e cientistas políticos. “Estudos de direito educacional
vêm ganhando renovada importância na atualidade não só em virtude da capacidade do
sistema jurídico de garantir direitos distributivos e exigir sua implementação, mas sobretudo
em razão de sua capacidade de compreender e aproximar os campos educacional e jurídico”,
conclui Nina.
Nina Ranieri
Estudos de direito
educacional vêm ganhando
renovada importância na
atualidade, sobretudo em
razão de sua capacidade
de compreender e
aproximar os campos
educacional e jurídico
José Luís da Conceição