A evolução da Constituição por meio das Emendas
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Jornal do Advogado – Ano XLIV – nº 442 – Setembro de 2018
SÃO PAULO
A Constituição Federal de 1988 é a terceira mais
extensa no mundo, de acordo com estudos da
Comparative Constitutions Project (www.comparativeconstitutionsproject.
org), um trabalho
coordenado por acadêmicos das Universidades
do Texas e de Chicago, ambas dos Estados
Unidos. Uma virada de página do período da
Ditadura Militar para a abertura democrática, a
Carta brasileira foi construída com a busca da
formação de consensos, de controles contra o
autoritarismo e de mecanismos para a manutenção
da unidade nacional. Prolixa, a nossa
Constituição trata de inúmeras matérias e direitos,
característica que demandou emendas ao
texto, totalizando 99, em três décadas.
“Os seus defeitos, em parte fruto de uma desatualização
provocada por uma sociedade que sofre
constantes e rápidas mutações, não são de molde
a encobrir os seus méritos e o importante avanço
que representou especialmente para os direitos
e para as garantias individuais”, avalia Marcos da
Costa, presidente da Seção São Paulo da Ordem
dos Advogados do Brasil. Um exemplo clássico da
necessidade de atualização do texto constitucional
é a Emenda 66, de julho de 2010, dando nova
redação ao § 6º do art. 226, que dispõe sobre a
dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio,
suprimindo o requisito de prévia separação
judicial por mais de um ano ou de comprovada
separação de fato por mais de dois anos.
Ainda de acordo com o levantamento da Comparative
Constitutions Project, o texto constitucional brasileiro é
o décimo mais generoso em direitos para o cidadão,
somando 79. Esse tabelamento demonstra que as constituições
mais jovens têm essa característica, tanto que,
das nove mais fartas em direitos, apenas três são mais
velhas que a brasileira (México, Portugal e Cabo Verde).
Dessa dimensão ampla de direitos apresenta-se uma
outra frente constante de modificações que procuram
acompanhar a evolução da sociedade. No caso brasileiro,
há uma série de alterações análogas à Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) das Domésticas, de abril
de 2013, que resultou na Emenda Constitucional 72,
alterando a redação do parágrafo único do art. 7º para
estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os
trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores
urbanos e rurais.
O caso mais emblemático da evolução dos direitos
assegurados pela Constituição Federal é a sequência de
três Emendas ao artigo 6º, que lista os direitos sociais.
Em fevereiro de 2006, a EC 26 acrescentou moradia ao
hall dos direitos sociais, somando à lista que já previa
educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência
social, proteção à maternidade e infância e assistência
aos desamparados. Quatro anos depois, nova Emenda
ao artigo 6º, desta vez incluindo alimentação à lista.
Por fim, em 2015, a EC nº 90 trouxe o transporte para
o núcleo dos direitos sociais.
A organização das contas públicas foi outra ambição
da Assembleia Constituinte de1988, que trouxe valores
como a probidade administrativa, legalidade,
legitimidade e economicidade para o texto da nova
Carta Magna. Um passo além, a Constituição Federal
tratou da gestão pública de forma mais pragmática,
estabelecendo destinação específica para parte dos
recursos arrecadados pela União, estados e municípios,
orientando gastos obrigatórios em áreas como
saúde e educação. A realidade da administração
pública subjugou esses anseios e resultou em PECs
que alteraram o Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT) para introduzir a Desvinculação
de Receitas da União (DRU) e prorrogá-la. Esse é
um exemplo de como a necessidade de redigir o
ADCT, para a transição decorrente de uma abertura
democrática e reorganização do Estado, acabou por
dar terreno para a demanda por
Emendas Constitucionais.
Porém, se há características que
justificam a quantidade de emendas
realizadas na Constituição Federal,
igualmente há críticos das constantes
alterações, especialmente focando nas
mais de 190 Propostas de Emenda Constitucional
que
estão tramit
a n d o n o
Congresso,
atualmente.
“As Emendas
tiveram uma
fert i l idade
de hamster,
99 emendas
em 30 anos,
mesmo para uma Constituição extensa como a nossa foi
muita coisa”, defendeu Carlos Ayres Britto, ex-ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF), em palestra comemorativa
das três décadas da Constituição, realizada no
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
A crítica carrega o raciocínio que embasa o rito diferenciado
para a aprovação de uma Proposta de Emenda
Constitucional em comparação com o processo para
alteração de legislação ordinária. A rigidez dada à
Constituição brasileira, contrariando o senso comum,
deu resultados perfazendo um índice de 1,32% entre
a proporção de emendas, versus o número de artigos
da Carta, durante o período de 30 anos. O mesmo cálculo
para a Constituição dos Estados Unidos atinge o
índice de 1,67%. Ou seja, proporcionalmente os norte-
-americanos alteraram mais a Constituição de 1787
(veja quadro). “Transcorridos 30 anos, a Constituição
teve o condão de possibilitar a estabilidade institucional
do país, em meio a graves crises econômicas e políticas.
Desastrosos planos econômicos, inflação em alta
durante extenso período, taxa de juros elevada, e intranquilidade
política causada pela substituição de dois
presidentes no curso dos mandatos não provocaram
nenhuma ruptura institucional, tendo sido mantida a
harmonia social”, aponta Marcos da Costa.
Índice de renovação proporcional de Constituição: porcentual de Emendas ante o número
de artigos, dividido pelo tempo de existência da respectiva Carta
Brasil 250* 99 30 1,32%
EUA 7 27 230 1,67%
*Excluído o ADCT
Confira as Emendas Constitucionais
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