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É PRECISO RESTRINGIR O ALCANCE DE
Não se justifica que uma pessoa condenada
pela Justiça de seu país permaneça com o
processo sustado quando o seu titular já
perdeu a legitimidade do cargo
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Maria Garcia
Sim
José Luís da Conceição
Professora de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
s privilégios de parlamentares têm sido objeto de análise, desde a
redação original do art. 53 da Constituição de 1988, por exemplo,
o seu § 3º em que: “No caso de flagrante de crime inafiançável,
os autos serão remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa
respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros,
resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação de
culpa”. A redação atual dispõe: “Recebida a denúncia... por crime
ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará
ciência à Casa respectiva que, por iniciativa de partido político nela
representado e pelo voto da maioria de seus membros poderá, até
a decisão final, sustar o andamento da ação”. E o § 1º do mesmo
art. 53 dispõe: “Os deputados e senadores, desde a expedição
do diploma, serão submetidos a julgamento perante o STF”. São
hipóteses em que o parlamentar terá situação privilegiada em relação ao cidadão comum.
Diz José Afonso da Silva: “Privilégio de foro. É outra prerrogativa parlamentar, sempre em
proteção do mandato. É caracterizado pelo fato de que deputados e senadores só serão
submetidos a processo e julgamento, em matéria penal,
perante o STF”. (Comentário Contextual à Constituição”,
Malheiros, São Paulo, 2005, p. 421).
Portanto: (1) “Lembremo-nos que o objetivo inicial da clássica
separação das funções do Estado e distribuição entre
órgãos autônomos e independentes tinha como finalidade
a proteção da liberdade individual contra o arbítrio de um
governante onipotente. (...) O legislador constituinte, no
intuito de preservar este mecanismo recíproco e a perpetuidade
do Estado democrático, previu, para o bom exercício das funções estatais, pelos
poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e a instituição do Ministério Público, diversas
prerrogativas, imunidades e garantias a seus agentes políticos”.
(2) Especificamente sobre a questão: “Ressalte-se que alterando seu anterior posicionamento,
o STF, na Ação Penal 470 (“mensalão”), por maioria de votos (5x4), deu nova
interpretação constitucional aos citados dispositivos (arts. 15, II, e 55, VI) entendendo
pela possibilidade de perda automática do mandato, a partir do trânsito em julgado, de
parlamentares federais condenados criminalmente, em especial pela prática de crimes
contra a administração pública, em virtude da impossibilidade de manterem o mandato
parlamentar em face da suspensão dos direitos políticos derivados da sentença condenatória
transitada em julgado” (Idem, p. 283)
Em face dos princípios republicanos que regem o Estado brasileiro, é de ver que não se
justifica, efetivamente, que uma pessoa condenada pela Justiça de seu país permaneça
com o processo sustado, em atenção a um mandato que se encontra prejudicado perante
as leis, quando o seu titular já perdeu a legitimidade do cargo.
República significa “uma forma de governo em que a Constituição e a organização política
são exercidas durante tempo limitado, por um ou mais indivíduos eleitos direta ou
indiretamente pela nação e investidos de determinadas responsabilidades”. É o interesse
comum: a comunidade.
A res pública abomina privilégios: a teor da ordem jurídica, já a decisão de 1ª instância
– que é Poder Judiciário, valeria para o afastamento do infrator de uma representação
assim prejudicada.
Escreveu Cicero: “A pátria não nos gerou nem educou sem
esperança de recompensa de nossa parte, e só para nossa
comodidade e para procurar retiro pacífico para nossa incúria
e lugar tranquilo para nosso ócio mas para aproveitar,
em sua própria utilidade, as mais numerosas e melhores
faculdades de nossas almas, do nosso engenho, deixando
somente o que a ela possa sobrar para nosso uso privado”.
Conforme expusemos anteriormente (in o Estado de S. Paulo,
21/8/2009, p. A8): Geraldo Ataliba, em República e Constituição, refere que o princípio
republicano vai determinar como devem ser interpretadas as disposições constitucionais.
(...) As características republicanas de um governo implicam, entre outras, a responsabilidade
dos agentes públicos e a prestação de contas da coisa pública. (...) Recorrendo
às origens dessa modalidade de governo (porque é necessário, nos dias de hoje, chegar
às fontes) verifica-se, na República de Platão, que a vida privada e a vida pública são
interdependentes: se a vida privada é má e corrupta, a primeira não pode desenvolver-se
e alcançar seus fins. Nenhum privilégio, portanto: infringida a lei, é exigida a responsabilidade
que, na hipótese, ocorre na origem do fato deslegitimador do exercício do mandato.
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